sexta-feira, abril 29

Coreografia Inédita



Próximo dia 29 (hoje) vou fazer um trabalho ao qual nunca dei título, mesmo porque não percebia muito bem tudo aquilo que saía da minha cabeça, nem o queria dizer.

Começa com um imenso black out de 1,20 minutos. Já o som infernal e industrial se espalha pela sala, e os espectadores ainda não têm qualquer imagem. Quando a luz acende em 12 segundos, está um monte de roupa velha enorme no palco.
Entram as minhas personagens vestidas de roupas escuras e rosto completamente tapado pelos longos e belos cabelos que caem pela frente. Cabeças baixas, mas postura altiva. Carregam nos braços mais roupa que já não sei se é velha. Se calhar até foi acabada de comprar, mas os seus espíritos de insatisfação permanente e doentia, fazem com que aquela seja a tarefa, deitar fora, deitar fora, deitar fora e fazer o monte aumentar. Saem e entram sempre com mais roupa, e deitam para o monte.
A coreografia vai desenvolvendo neste sentido. Gosto da personagem que carrega roupa mas que é carregada por colegas até ao monte onde descarrega a carga, depois volta a ser carregada para ir buscar mais, fazendo alusão à máxima "se é para sujar as mãos que outros sujem por ti". São 7 minutos de ambiente obscuro e tensão até que outro black out vem finalizar esta introdução.
 Novo ambiente sonoro, muito mais leve e solto, nova escuridão, nova ausência de imagem. Luz volta acender  em 12 segundos.
O monte de roupa permaneceu, está um pouco mais acima no palco, e no meio está  sentada uma menina de pernas e braços de fora, só ali sentada a aproveitar o fofo do monte. Novo black out, luz outra vez.
A música continuou a correr sem interrupção. A luz revela agora muitas meninas sentadas no monte, de pernas e braços de fora, que simulam coser à mão um pedacinho de pele ou um buraquinho na roupa.
O bailado segue numa linha oposta à primeira imagem. Este grupo de 23 meninas e 1 menino é agora só alegria e sol. Com aquele monte de roupa vestem-se, brincam como crianças. Inventam danças no meio de estendais, jogam de mãos dadas fazendo cobras intermináveis de gente feliz, e acima de tudo vivem imunes á lógica das personagens de preto.

Trilha sonora: primeira imagem com música industrial: Einsturzende Neubauten "vanadium-I-ching". monte com menina em cima: Imogen Heap "hide and seek"
.corridas com estendais: Massive Attack "atta boy". dança das cobras de gente feliz e fazer caminhas: yann tiersen "le quartier" e "l'arrive sur l'ile". o jogo da tartaruga:  Nine inch Nails "reptile". final : Beirut "cliquot"

 (A menina que cresceu pequena)

 Hoje na viagem para cá vinha a pensar "Quando era miúda estranhava os crescidos... agora continuo a estranhar".

 Acho que este meu bailado é sobre isso...

5 comentários:

  1. olha, meu querido Joaquim....eu nem sei que escrever....
    como sói dizer-se na minha terra: a minh'alma 'tá pasma!!!!!!!!!!!!

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  2. agora sei o que significa "magnum opus"

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  3. Diz-me amiga, isso é bom ou mau?

    "magnum opus"? grande final?

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  4. Estive lá... Como sempre, desde os 11 anos da minha irmã, nunca perdi um único espectáculo dela enquanto bailarina, ou como coreógrafa... Há sempre um pouco de mim que foge e vai para o palco, porque cresci com ela e sei exactamente identificar, em cada movimento, em cada gesto, em tudo o que está em cena, a impressão digital dela... e eu sou ela e ela sou eu... e comigo levei o meu primo Joaquim António, que tenho a certeza no final, também deixou cair uma lágrima no canto do olho... Fiquei com a imagem das crianças a saltar alegremente à corda... uma corda feita de restos de tudo, que nós adultos deixámos de saber olhar...

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  5. Maria Gertudes Caladomaio 05, 2011 3:35 da tarde

    Que bom!
    Sinto sempre uma ternura especial, ao ouvir estas irmãs.
    Fica-me uma sensação agridoce, um misto de emoção e um amargo sentimento, uma saudável "inveja", por este Amor , assim partilhado ,vivido!
    É tão bom, Cristina e Zé, vocês serem uma "só", nessa comunhão de afectos!
    Que lindas palavras Cristina!
    Um beijinho muito grande para as duas e um abraço para o meu amigo Joaquim, porque através dele eu cheguei até vós!
    Maria

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