sábado, abril 30

Reposição


 (O Livro do Desassossego)

"O coração, se pudesse pensar, pararia."

"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.
Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

Bernardo Soares (Fernando Pessoa)

Este foi durante muito tempo para mim o Pessoa mais hermético. Agora, talvez devido ás vicissitudes da vida, releio-o e acho-o claro. Revejo-me em cada palavra, em cada respirar do texto. Encontro-me nas situações, nos pensamentos, porque vivo tudo o que heterónimo sonhou. Eu sou um pouco da sua inquietação e desassossego-me com ele. Vou esperar a minha vez, apesar das inquietações, dos desamores, do medo de quem não me entende. Porque para me entender não basta passar pela vida, é necessário entendê-la. A minha cabeça é quem me guia, eu amo o que penso, porque o meu coração bate ao ritmo do mundo que eu invento.
Perdoem-me por ousar escrever e pensar alto.

Dia a Dia

Bom, bom...
Parece que o tempo se está a compor.
O "meu" Sol parece querer acender-se, finalmente.
Os meus sábados, que já são bons, estão melhorando mesmo.

A nossas televisões, insistem com a estopada do casamento inglês.
Dizem os totinhos dos comentadores, que o vestido era o segredo mais bem guardado do mundo.
Não percebo, como jornalista conceituados, conseguem debitar tanta banalidade seguida.
Que nojo...

Amanhã espera-nos outra canseira: a beatificação do J P II.

Uma semana em cheio para as sopeiras e donas de casa desocupadas

sexta-feira, abril 29

Que merda

A sabujice das televisões com a chatice do casamento, mete nojo.

Diário Lampião

Liga Europa 1/2 Final


Benfica 2 - 1 Braga


Golos: Jardel, Cardozo

Coreografia Inédita



Próximo dia 29 (hoje) vou fazer um trabalho ao qual nunca dei título, mesmo porque não percebia muito bem tudo aquilo que saía da minha cabeça, nem o queria dizer.

Começa com um imenso black out de 1,20 minutos. Já o som infernal e industrial se espalha pela sala, e os espectadores ainda não têm qualquer imagem. Quando a luz acende em 12 segundos, está um monte de roupa velha enorme no palco.
Entram as minhas personagens vestidas de roupas escuras e rosto completamente tapado pelos longos e belos cabelos que caem pela frente. Cabeças baixas, mas postura altiva. Carregam nos braços mais roupa que já não sei se é velha. Se calhar até foi acabada de comprar, mas os seus espíritos de insatisfação permanente e doentia, fazem com que aquela seja a tarefa, deitar fora, deitar fora, deitar fora e fazer o monte aumentar. Saem e entram sempre com mais roupa, e deitam para o monte.
A coreografia vai desenvolvendo neste sentido. Gosto da personagem que carrega roupa mas que é carregada por colegas até ao monte onde descarrega a carga, depois volta a ser carregada para ir buscar mais, fazendo alusão à máxima "se é para sujar as mãos que outros sujem por ti". São 7 minutos de ambiente obscuro e tensão até que outro black out vem finalizar esta introdução.
 Novo ambiente sonoro, muito mais leve e solto, nova escuridão, nova ausência de imagem. Luz volta acender  em 12 segundos.
O monte de roupa permaneceu, está um pouco mais acima no palco, e no meio está  sentada uma menina de pernas e braços de fora, só ali sentada a aproveitar o fofo do monte. Novo black out, luz outra vez.
A música continuou a correr sem interrupção. A luz revela agora muitas meninas sentadas no monte, de pernas e braços de fora, que simulam coser à mão um pedacinho de pele ou um buraquinho na roupa.
O bailado segue numa linha oposta à primeira imagem. Este grupo de 23 meninas e 1 menino é agora só alegria e sol. Com aquele monte de roupa vestem-se, brincam como crianças. Inventam danças no meio de estendais, jogam de mãos dadas fazendo cobras intermináveis de gente feliz, e acima de tudo vivem imunes á lógica das personagens de preto.

Trilha sonora: primeira imagem com música industrial: Einsturzende Neubauten "vanadium-I-ching". monte com menina em cima: Imogen Heap "hide and seek"
.corridas com estendais: Massive Attack "atta boy". dança das cobras de gente feliz e fazer caminhas: yann tiersen "le quartier" e "l'arrive sur l'ile". o jogo da tartaruga:  Nine inch Nails "reptile". final : Beirut "cliquot"

 (A menina que cresceu pequena)

 Hoje na viagem para cá vinha a pensar "Quando era miúda estranhava os crescidos... agora continuo a estranhar".

 Acho que este meu bailado é sobre isso...

quinta-feira, abril 28

Dia a Dia

Vamos comemorar o Dia Mundial da Dança.

O "Crónicas", em função do seu ecletismo, e da quantidade enorme de amigos que tem, (diga-se), vai estrear amanhã uma Coreografia Inédita para um bailado.

Com tanta colaboração, tão diversificada e de tanta qualidade, só prometo melhorar todos os dias.

Afinal

Não é ódio, raiva ou rancor
Que desperta o amor
São meras palavras
São gestos, atitudes de momento
Que incendeiam o sentimento
Eu que por vezes mal me conheço
Não entendo os motivos
Podem estar guardados
Em fechados livros
Até em cofres selados
Mas do que nos vale encontra-los
Se jamais conseguiríamos decifra-los
Porque afinal tudo pode despertar
Com uma simples troca de olhar

“Félix Pereira Júnior”

terça-feira, abril 26

"Lugar Comum"

Gosto de abrir o blog e digitar assim, sem destino
É a maneira que eu encontro de escrever com alguma fluidez
Sem saber o que vem a seguir, qual a próxima frase a ideia seguinte

Apetece-me muito escrever um "lugar comum".
Sim, eu sei que o faço muita vez, escusam de me lembrar.
Mas juro que é inadvertidamente, ou então tento disfarçar.
Hoje é mesmo de propositado, aí vai:
"Sou como os interruptores, ora para cima, ora para baixo"
Como o Crónicas é a minha cara, apanha por mimetismo.

Depois de vários dias em alta, carece agora baixar o tom
Vamos passar uns dias de "balão" menos inchado, voltar à terra
Nem sempre se pode estar com a corda toda.

É a vida...

Ontem foi 25 de Abril...
Felizmente em Seda, o hábito de comemorar não se perdeu.
Que não se perca nunca, faz-nos falta.
Houve banda, almoço, festa bonita.

O "Crónicas" gostava muito de ter o relato e as fotos da praxe.
Era uma maneira de perpetuar o acontecido e leva-lo a quem está longe. 

Infelizmente não pode ser
Os pequenos poderes não gostam de quem cultiva a liberdade
Mesmo no dia em que ela se celebra.

segunda-feira, abril 25

Crónicas/2005

«25 DE ABRIL»

Esta é a madrugada que eu esperava
O dia Inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
e livres habitamos a substância do tempo

"Sophia de Mello Breyner Andresen"

Vá de retro...

Acabei de apanhar um susto de morte.
Estava aqui nos maus afazeres frente à televisão, quando ouvi o som duma entrevista a Paulo Portas.
Olhei de relance e fiquei estarrecido. Perguntei a mim mesmo:
- O tipo tem um cravo vermelho na lapela?
Apanhei um susto e tanto. É verdade que o 25 de Abril não é mais o que era. As conquistas foram-se com o murchar dos cravos. Foram trinta e sete (37) anos de Involução, mas chegar à lapela do Paulinho, seria medonho.
Atentei melhor, não era! Ufa!
Era só um microfone vermelho que me deu uma ilusão óptica. Talvez por ver tanto cravo à solta no dia de hoje.
Felizmente recompus-me, foi engano, não era um cravo.

A Revolução ainda não desceu tão baixo.

O Dia Inicial...

Lembro-me perfeitamente do dia.
Manhã fria e chuvosa, saímos como todos os dias ás 6,30 da manhã.
Era assim nesses tempos, os miúdos saíam de casa pela madrugada e voltavam noite cerrada. O convívio com os pais era muito restrito.
Depois da volta habitual; Chança, Cunheira, Monte da Pedra, Aldeia da Mata, Flôr da Rosa, Crato e Alter, onde chegávamos depois das 8:00 horas, parávamos frente ao portão do colégio particular. Rapazes para um lado, raparigas para outro.
Mas nesse dia havia algo diferente no ar.
No átrio das salas de aula, as funcionárias; Menina Teresa e Menina Antónia, ouviam um pequeno rádio onde não cantava o Mourão, o Artur Garcia, a Tonicha.
Tocava coisas diferentes.
Havia uma música ritmada que falava de fraternidade, de igualdade, de povo.
Acho que nos mandaram para casa a meio da manhã.
E eu, miúdo de 14 anos, nem fazia ideia o quanto o meu mundo tinha mudado naquela madrugada.