terça-feira, setembro 18

domingo, setembro 2

Ausência



Nasce a madrugada nos meus olhos
Já de clarear começa o novo dia.
Lembro uma bela tarde de emoções,
De palavras novas ditas ao ouvido
E doces partilhados boca-a-boca

Uns braços que se apertam sobre nada
A louca ilusão de ser alguém
E um beijo que se nega, sem motivo.

- j a godinho -

A Visita Anual dos Estorninhos


Todos os anos, normalmente em meados de Junho, recebemos a visita, indesejada, dos estorninhos pretos. É o primeiro sinal para a campanha dos figos que se avizinha.
 O estorninho preto (Stumus unicolor) é uma ave da família “Sturnidae”. Carateriza-se pela plumagem preta reluzente com bico amarelo e patas vermelhas e têm uma especial apetência por figos.
Logo que nas figueiras começa a aparecer a primeira camada de figos lampos aí estão os estorninhos prontos para o ataque.
A técnica utilizada para o furto dos figos não tem variado de ano para ano. Aparecem logo pela manhã, primeiro em pequenas esquadrilhas, que certamente, são incumbidas de proceder ao necessário reconhecimento dos locais a invadir e depois em grandes grupos para o indispensável combate.
Logo que o sol começa a raiar, em cada dia, é vê-los a pousar, na vertical, no alto das figueiras armados de compridos bicos amarelos e garras afiadas, transformando a paisagem verde das figueiras num inesperado manto preto luzidio.
Têm, ainda assim, a particularidade de alertar os habitantes da proximidade, tal a algazarra que fazem, após chegada, antes do trabalho prestes a iniciar. Daí a poucos minutos estão picados todos os figos inchados e maduros que, em seguida, são derrubados por estes intrusos.
A receita tradicional para o afastamento destes indesejados visitantes consta de: batuques em latões, ventoinhas que rodam e fazem barulho com o vento, panos colocados na ponta de canas à altura das figueiras ou bonecos simulando figuram humanas vestidas a preceito com chapéus de palha e vestuário de cores garridas.
Recentemente, fruto das novas tecnologias, os donos das figueiras têm recorrido a objetos reluzentes: DVD e embalagens vazias de acondicionamento de líquidos, entre outros materiais desconhecidos destas aves.
A resposta mais eficaz contra a presença destas indesejadas criaturas seria uma produção tão abundante de frutos que chegasse para lhes saciar a fome e os seus instintos agressivos, coisa que não está ao alcance dos produtores e que a Natureza este ano se encarregou de contrariar.
Uma atitude mais radical, não aceite pelos defensores desta espécie, seria a utilização de armas de caça que serviriam para os afugentar e, também, para defesa pessoal de gente idosa que se encontra isolada em montes, principalmente no Alentejo e Algarve, solução muito difícil de concretizar do ponto de vista legal.
Assim, àqueles que persistem em cumprir escrupulosamente a lei, não lhes resta outra alternativa que não seja a de procurar outras formas inovadoras de afastar estas dispensáveis criaturas sob pena de nunca chegarem a provar o fruto das suas figueiras.
Este ano tentei, até agora, com resultados francamente positivos, dar-lhes música que não fosse do seu agrado.
 A partir de um rádio, escondido no interior de uma figueira, ligado à corrente elétrica, comecei por sintonizar o aparelho em estações que, transmitem, regularmente, música e canções em inglês das que estão a fazer sucesso em Portugal.
As aves, nos primeiros dias, aproximavam-se do objetivo, estranhavam a música, efectuavam voos rasantes mas não pousavam nas árvores, desaparecendo em seguida para não voltarem ao local. A última vez que os avistei aproximavam-se do Crato onde, provavelmente, tentarão matricular-se em inglês, situação que só poderá ocorrer após a concretização da anunciada alteração do paradigma das Novas Oportunidades.
Informei, então, os outros habitantes da casa de que aquele rádio não deveria ser ligado noutros emissores, enquanto durasse a campanha dos figos.
Estava encontrada a solução. Trata-se de aves naturais e residentes no nosso território que demonstraram possuir desconhecimento e receio da música inglesa, pelo que o pessoal poderia, desde já, comer figos de qualidade, isentos de qualquer bicada e com a vantagem de não terem de ouvir música “pimba” durante o Verão.

Seda 15 de Agosto de 2012
(João Aurélio Raposo)