domingo, março 30

Joaquim António Godinho - Escritor

O RAPAZ QUE ERA AZUL

Era uma vez, há muitos, muitos anos, um rapaz azul claro.
Naquele reino tão distante, havia rapazes de todas as cores, pretos, brancos, amarelos, vermelhos, mas os que por acaso nasciam azuis, não eram aceites, nem pelos outros rapazes, nem pelos adultos. Eram apontados a dedo, tratados como se ser azul, fosse crime.
Talvez por ter nascido de um azul muito claro, o rapaz nos primeiros anos de vida, não se sentia muito mal. Levava as tímidas alusões à sua cor, com uma perna às costas. Afinal nessas idades, infância e pré-adolescência, a cor da pele ainda não é determinante, não descrimina.
Com o passar do tempo, ou porque se foi tornando cada dia mais azul, ou porque estava com o crescimento a tomar mais consciência de si, foi percebendo que ia ter uma vida difícil num reino que não sabia conviver com o azul.
Depois de muito deduzir, percebeu que o culpado da sua desdita era o sol. Era a luz do sol incidente na sua pele que o denunciava ao refletir aquela variante mal aceite do arco-íris.
Resolveu então procurar um quarto escuro e isolar-se, apartar-se da luz que o denunciava. ‘Passou anos e anos sozinho, a tentar entender-se, procurar exorcizar os seus fantasmas. Leu muito, tentou entender as pessoas e principalmente perceber o porquê da sua vida, entender-se.
Foi um tempo triste, aquele, mas também tempo de se refazer, de abarcar a problemática das cores, os porquês.
Um dia, depois de muito tempo de isolamento, começou a desconfiar que o problema não estava na luz, muito menos na pele que a refletia. Percebeu que o mundo era mesmo a cores, nenhuma melhor que as outras, só diferentes.
Que o erro estava nos outros e na maneira de olhar.

sexta-feira, março 28

Joaquim António Godinho - Escritor



DOIS SÓIS

Ele, era um homem com uma timidez disfarçada e um passado de vida muito complicado.
Ela, uma bela morena de sorriso fácil e cabelo enrolado, num corpo perfeito de bailarina e uns atraentes olhos saltitantes.
Encontraram-se numa tarde escura, oprimida por um céu de nuvens baixas e plúmbeas.
Ele, filho e amante do Sol, percebeu nessa tarde que já não o necessitava. Havia dois, nos olhos dela!
Continuaram a ver-se nesses dias, num jogo de toca e foge de olhares. Uma linha invisível prendia-os, por mais que lutassem contra o poderoso magnetismo que aumentava.
Conheceram-se, deslumbrados com aquela paixão e desnorte mútuo. Foram tempos de conversas viciantes, confissões, poesia e cartas de amor.
Amaram-se uma única vez e não foi bom. Ele, por insegurança e a consciência de que não tinha direito de tocar o céu. Ela, talvez por o sentir fraco. Quem sabe?.
Para ele tudo “aquilo” era nada, para tanto amor.
Ela um dia partiu, ele ficou a colar os cacos, a refazer-se, como sempre tinha acontecido.
Depois, construiu um ninho quente para aquele sentimento. E deixou-o a hibernar num canto soalheiro do coração, com janela para o improvável…

quinta-feira, março 27

Joaquim António Godinho - Escritor



In ARRUMADOR DE PALAVRAS «O Livro»

Em tempos escrevi muito sobre política, até perceber que só as moscas mudam e me desiludir. Estou cansado de dizer que não gosto, mas como cidadão atento, não resisto em meter foice em seara alheia.

Políticas

Hoje trago uma pequena refleção sobre a atualidade política, coisa a que há muito perdi o gosto.
O Parecer do Tribunal Constitucional sobre o roubo feito aos funcionários públicos e pensionistas é um tratado de hipocrisia. Descobriram uma Inconstitucionalidade de facto, mas sem repor a legalidade e ainda aproveitam para apontar caminhos; mostrar ao governo como deve fazer na próxima vez.
Não entendo para que servem estas instituições de “faz de conta”. Salvo raras exceções, são “paus mandados” de quem os nomeia, obedecem à “voz dos donos”. É urgente entregar estas decisões ao Supremo Tribunal, em princípio não dependente do Poder Político.
No seguimento, Passos Coelho desafia a oposição a mostrar onde ir sacar os 800 milhões. Eu, que sempre fui oposição a todos os governos portugueses, aponto-lhe um caminho.

1º - Cortar imediatamente todas as Subvenções Vitalícias a Políticos que tenham menos de 65 anos.

2º - Dar opção aos maiores de 65 anos da escolher entre a Subvenção Vitalícia ou outros rendimentos.

3º - Proibir a acumulação de proventos aos gestores públicos e a optar entre o sector público e o privado.

4º - Que a Segurança Social só pague uma reforma por pensionista.

E por favor, não me venham falar em Direitos Adquiridos.

quarta-feira, março 26

Miriam Dias - Malandragem


Joaqum António Godinho - Escritor



DESTINO

“Estava escrito há muito! Foi só procurar, até te encontrar”

O destino? Há quem lhe chame isso, não que eu acredite muito. O nosso destino é determinado a cada momento pelas circunstâncias. È verdade que não se pode lutar contra o destino, porque se nós lutamos e mudamos alguma trajetória, pode sempre dizer-se era o destino.
Nós temos sempre um ponto de partida, o nascimento, que também é fruto do destino, foi ele que uniu os nossos pais, os nossos avós, que determinou o lugar onde nascemos, tudo, em suma.
Eu por vezes penso que o meu destino era outro, nascer noutro lugar. Mas ou porque a cegonha que me trouxe era pitosga, ou porque como na altura não havia código postal, extraviei-me.
Se nesses anos longínquos os alentejanos já tivessem descoberto o seu avançado método anticoncecional, atirar pedras às cegonhas, eu teria nascido noutro lugar e não lobrigo de todo, qual seria o meu destino.
O nosso destino, esse sim, a que não podemos fugir nem controlar, a maneira como e onde acontece, é a morte. O destino inevitável.

terça-feira, março 25

Joaquim António Godinho - Escritor



In ARRUMADOR DE PALAVRAS «O Livro»


É verdade, não gosto do inverno, dia sem sol é dia triste. Eu sou um homem do sul e do sol, não funciono bem nos dias tristes.

Inverno

Chega o Inverno e com ele a melancolia
Dias curtos, noites longas de abandono
Tristes frios, bem violentos, pós Outono
As noites de vento uivante, claustrofobia

Não sei mais da minha costumeira alegria
Tudo é escuro, medonho, no meu entorno
Só d’algumas velhas memórias, me socorro
Mas nada me motiva, sem sol para o meu dia

Nunca gostei deste tempo de nuvens escuras
Daquelas manhãs frias onde a geada impera
E que de tanto rigor nos fazem as vidas duras

A qualquer hora do dia uma chuvada espera
Estou já cansado de passar por tais agruras
Quero que venha bem depressa a Primavera