segunda-feira, fevereiro 3

CRÓNICA DE UM QUALQUER DOMINGO



Deitado e imóvel, nesta gélida madrugada de Dezembro, fecho os olhos e procuro-me. Quem me olhe, jurará que estou dormindo, mas nunca estive tão desperto, tão completamente consciente de mim. Perscruto todos os meus recantos, com todos os sentidos alerta, olho-me no espelho interior e busco o que fui, o que sou e a projeção de um futuro, que ainda me amedronta.
Não sei de onde sou, muito menos para onde vou, só sei, pelo meu saber pressentido, que não sou daqui, este não é o meu lugar, mas algures longe, em busca de viver.
Não me vou entregar à cómoda realidade de sobreviver. De preferência, morrerei a procurar-me, sem a mínima certeza de me encontrar fora de mim, como o logro no âmago do meu interior.
Não sei se alguém entenderá estas palavras, hoje resolvi não escrever para o vulgo, para a imensa mole de nados mortos que me rodeiam e que nada me dizem, nem nunca saberão de mim, coisa nenhuma. Esta sociedade está cheia de gente de estar, os nados mortos, que nunca chegarão a ser, nem a entender-se. Porque a gente só nasce, quando sente a dor do parto, só nesse momento, se deixa a condição de estar, para ser. E muito poucos que conheço o conseguiram.
Lembro-me da sensação de ter nascido, da dor que senti naquela tarde que recordo, sem lograr situar no tempo. Recordo ter tido a consciência do nado morto que tinha deixado de ser naquele instante, para me tornar o homem nascido, que hoje se escreve, para os poucos que me entendem.
Nesse momento, venci o medo da morte.
Nesse momento, percebi que só se deve temer o que não se não estende.
Nesse momento, iniciei a longa caminhada para controlar os medos, que está ainda só no começo.
Nesse momento iniciei a minha viagem consciente, que sei exatamente quando vai terminar, no instante da minha morte.

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