sábado, fevereiro 23

HISTÓRIAS DA MINHA JUVENTUDE por António Clara

  Lições de Burra 
        
No seguimento da história contada anteriormente, a burra do meu primo Domingos era mesmo muito inteligente como se pode observar de seguida.
Certo dia estava eu com a maior das atenções a guardar as vacas na Herdade de Bragança num lugar chamado Alto da Serenada, Cabeço do Murganhal, o gado andava a pastar e eu com esta trabalheira toda, passeava-me na estrada que vai da Ponte Sor para Alter do Chão.
Num destes dias encotrei à beira da estrada um livro de banda desenhada que tratava da vida no Oeste americano com pistoleiros, cavalos e vacas.
Sobressaía a personagem de um cowboy que montava um cavalo branco com malhas pretas na anca direita e na cabeça. Este cowboy era o defensor do bem e da justiça, Chamava-se Texas Kid, era o mais rápido na arte de disparar as pistolas, tinha uma pistola com coronha de prata. Conduzia manadas como ninguém nas pradarias do Oeste americano.
Este livro que eu li inúmeras vezes serviu para eu dar largas à minha imaginação, de tal forma que de uma tábua fiz uma pistola. Sempre que o meu camarada tinha alguma coisa para fazer e era eu quem tomava conta do rebanho, montava a burra e rodeava a manada como se fosse o cowboy do Oeste americano na Herdade da Casa de Bragança.
Foi num destes dias que a nossa amiga burra entendeu não fazer de cavalo e atirou comigo ao chão. Foi somente o início de uma saga que durou enquanto eu fui ajuda do primo Domingos. Há que realçar quando isto acontecia 
eu a castigava com porrada e ela não gostava. Mas ela percebeu que eu era muito frágil 
quando a motava em pelo porque com a albarda agarrava-me com os pés e mãos e não caía.
Eu montava a burra em pelo só em último caso, mas por vezes tinha que ser, quando o meu camarada me incentivava a isso eu lá ia, era certo e sabido que pouco tempo eu estava na garupa, embora o meu primo Domingos nunca tenha observado tal. Por vezes ele dava por mim todo empenado e perguntava; então rapaz, o que é que tensão que eu respondia, ia ali a correr e pus um pé malposto. A coisa ficava por aqui, ele não desconfiava porque a burra com ele era uma mansidão.
Um dia chegamos à malhada por volta das 18 horas, o meu camarada mandou-me dar água à burra ao poço da coreia que fica um pouco afastado do local. Ele próprio ajudou-me a montar para a garupa e lá vai ele a tremer por todo o lado como varas verdes.
Assim que ele virou costas e entra no choço, (barraca onde nós dormíamos), a marota da burra arranca numa correria louca a caminho do poço que o corajoso Texas Kid, teve mais uma vez como destino certo beijar o solo, sem apelo nem agravo.
Quando cheguei ao poço já ela estava saciada de água à minha espera. Eu estava danado com
ela e ela à minha espera. Apanho-a pela arreata e mais uma vez castiguei-a com umas pauladas no lombo. Lembro-me ainda hoje das palavras que preferi então e que nunca mais me esqueci, Com a arreata na mão e ela a levantar a cabeça eu disse:
- Se eu estivesse tão seguro em cima de ti como tu estás agora aqui na minha mão nunca me derrubavas.
Palavras não eram ditas e já ela levantava as mãos da frente e fazia dois ou três cavalinhos e lá vai ela a caminho da malhada. Eu não tive outro remédio senão lamber as feridas e fazer o caminho de retorno a pé aprendendo esta lição para o resto da vida; Nunca digas desta água não beberei.

António Clara (Surrampa)

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