quinta-feira, setembro 22

"Cem Escudos"


(esta história devia ser Um Conto, mas é tão pequena que não me atrevo a chamar-lhe mais que Cem Escudos)

Eu gosto de contar “causos”, uns de encantar, outros divertidos, tudo depende da lua que me influencia no momento. Hoje vou contar uma daquelas histórias tristes de marejar os olhos e deixar o peito em chaga.
Não vou começar por; era uma vez…, esta não é uma história qualquer, é das verdadeiras, das que eu invento. Chama-se;

A Diva e o Dildo

Ela era uma mulher afirmativa, já em menina o fora. Grávida de certezas, com o rei na barriga, soube sempre conduzir a vida alheia, a sua, perdeu-lhe o mando e ficou só. Tarde triste, uma viela fria e húmida, ela caminha com os ombros pesados de desilusão. A vida que parecera promissora em tempos idos, muito idos, tinha-se encarregado de lhe levar os sonhos; e o que restava era um futuro em que já não acreditava. Ia ensimesmada em negros pensamentos sobre o que o provir lhe reservava, quando reparou num vulto estranho perdido junto ao regato que fazia a escorrência dos beirados.
Baixou-se, num gesto automático, apanhou-o, sacudiu-lhe a água e meteu-o na mala, sem chegar a perceber porque o fez. Talvez porque a vida tinha deixado de fazer sentido e já nem os seus actos percebia.
Esqueceu o achado na mala jogada no sofá castanho da sala e dedicou-se á tarefas de mais um serão de dona de casa diligente. Tê-lo-ia mesmo esquecido, não fora a cama larga, a noite longa, e aquela nova espécie de inquietação que a solidão traz consigo e que nasce dentro das entranhas.
Correu a buscar a mala, abriu-a e retirou um pequeno estojo de couro que continha um Massajador Facial. Sorriu ante a surpresa, mas deitou-o na cama e ficou longos minutos a contemplá-lo e a pensar.
Ainda nessa noite, lavou-o, desinfectou-o, tricotou-lhe um casaquinho de lã e deixou-o na gaveta da mesinha de cabeceira.
Depois, sonhou que era seu marido e se chamava “omem”. Ela, que nunca conheceu um homem com “h”.

6 comentários:

  1. Obrigado, amiga transatlântica.

    eu só escrevo e mostro, quem queira que julgue.
    Como dizia Camões, "elogio em causa própria, é vitupério".

    Abraço, de cá

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  2. Isso de omem e homem não fica por pilas. Não para uma mulher.

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  3. É verdade, um omem pode ser mesmo muita coisa, com pila, sem pila, com neurónios ou sem. O conceito é complexo e amplo e podemos alargar para as mulheres. Alguém aqui me explica o que é um homem com "h"? Sinceramente fiquei triste com esta história.

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  4. As histórias depois de publicadas, são de quem as lê. Eu esqueço imdiatamente o que quero dizer, o que me motiva. Importantes, sãos os caminhos que cada um consegue seguir a partir do texto.

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  5. Eu achei este conto que o não chega a ser, pois em cem escudos se quedou, um espanto.
    Einstein espantava-se, extasiado, de viver;
    eu espanto-me, extasiada, de te ler.

    Este "Cem Escudos" tem tudo. O primor da escrita, uma sequência narrativa perfeita, recurso a toques de erudição e regionalidade na escolha das palavras.

    Quanto ao género, incluo o "Cem Escudos" (esta ideia..só de um génio!) na tragicomédia, como referida por Plauto em "Anfitrião".

    Em "Cem Escudos" encontramos a tragédia (assunto e personagem) e a comédia (linguagem, incidentes e desfecho).

    Joaquim, para quando o livro?

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  6. Pois, minha querida
    Eu, é mais bolos, não sei mais do que escrevinhar o que penso.

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