sexta-feira, dezembro 23

Vidas Simples

Pelas minhas contas, terá nascido por volta de 1865, chegado a Seda em 1877, era “pechardeco”, natural de Chança e veio trabalhar como “moleque” para casa dos Teixeira. Moleque era uma espécie de moço de recados das casas ricas, o primeiro trabalho dum menino antes de chegar a ganhão.
Chamava-se António Lourenço, e foi meu bisavô materno.
Por lá conheceu uma criadita, afilhada da casa, chamada Catarina Rosa. Acabaram de se criar juntos e desenvolveram uma antipatia mútua, de todos conhecida, que só terminou quando ela já não podia mais esconder a barriga.
Os patrões casaram-nos à pressa, o mal já não tinha remédio e foram pais de oito filhos, cinco rapazes e três raparigas.
O meu bisavô era reconhecido na terra como um excelente trabalhador e uma pessoa muito honrada. Era hábito por aqui haver também uma certa deferência por quem tinha vindo de fora.
O ano de 1908 foi de uma grande invernia. Não era possível trabalhar nos campos e lá em casa havia dez bocas famintas. Convencido pelos vizinhos, acompanhou-os uma noite a apanhar uns quilos de bolota, (bolêta).
Era um terrível crime nesses tempos no Alentejo, um pobre matar a fome com o que estava destinado aos porcos.
Ele não voltou nessa noite. Perguntados em segredo os companheiros do “roubo”, nada de nota tinha acontecido.
Fizeram o percurso no sentido inverso e encontraram-no. Ao tentar saltar um ribeiro, não alcançou a outra margem. A água gelada, o peso do saco e a correnteza, mataram-no.
Mas quem realmente o matou, foi a fome.

Assim terminou a curta história do meu bisavô “pechardeco".

3 comentários:

  1. Um breve história que comove qualquer coração... Obrigada Joaquim por partilhar estas vivências que nos tocam e nos fazem pensar em sermos humanos cada vez melhores...

    Ana Maia

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  2. Obrigado por esta História. História com herói real lá dentro. História de que é preciso ter memória, sobretudo nos tempos que correm. História que não consta dos manuais mas que é preciso manter viva na memória do povo que a protagonizou. Deve sentir orgulho por contribuir assim para a sua divulgação

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