quarta-feira, dezembro 28

Memórias


Há ideias muito difíceis de expressar por palavras. Estão na cabeça, como imagens ou sensações, mas verter em escrita é complicado. Encontrar os termos certos, dispor as peças do puzzle no lugar adquado, é uma árdua tarefa.
Lembro-me de uma maneira paradoxal; clara e próxima, mas também difusa e perdida no tempo. Como se fossem memórias minhas, mas também histórias contadas, como se me lembrasse de vivências de outras pessoas.
Era Agosto, num fim de tarde quente e seco. Estive sentado aqui, nas guardas da ponte, virado a jusante, durante não sei quanto tempo.
Nunca, nem nessa altura nem agora, tinha pensado no tempo que passou, nem no que se passou durante o tempo que não sei determinar.
Lembro-me claramente, agora, de não ter passado nenhum automóvel. E há quarenta anos a estrada já tinha muito movimento.
De entre o muito ou pouco que se passou durante esse pequeno ou grande iato de tempo, que me ficou gravado na memória e que só recordei mais tarde, foram as imagens e os sons.
Leito de juncos da ribeira, semeado de uma manada de vacas alentejanas, vermelhas, grandes, de longos chifres e ancas descarnadas.
Mas ainda mais do concerto de sons. Á medida que mordiam a erva, faziam soar á vez uma orquestra de chocalhos, de cores diferentes e cada cor com vários tons. Ali uma manga, mais além um som mais agudo, acolá um timbre corrido, misturado com uma campainha. E eu fiquei absorto não sei por quanto tempo.
Hoje, ao olhar do mesmo ângulo, penso que tanto podia ser há quarenta, quatrocentos ou mil e quatrocentos anos. A paisagem continua lá, igual, como sempre.

O tempo só existe para quem o mede.

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