terça-feira, maio 13

MEMÓRIAS IV



E fez-se a Reforma Agrária e eu estive e vi tudo, primeiro de fora, como espetador, depois fui agente, estive no olho do furação, onde a história se fez. De 74 a 84, Aconteu um ror de coisas, impulsionadas por partidos, militares, organismos públicos e governos, o povo foi a cobaia, num jogo de poderes e interesses.
No princípio reinou a desorganização, as experiencias, depois um povo com 60% de analfabetos conseguiu discutir o futuro. Hoje, quando vejo os agricultores a chorar por ajudas do estado, rio-me, habituaram-se à mama, e sabem que só a conseguem chorando. A terra é mais produtiva que uma mina de ouro.
A cooperativa de Seda chegou a ter mais de 13 mil hectares, e mal organizada, com excesso de mão-de-obra, (muita improdutiva), negócios ruinosos, diretores completamente incapazes e muitas outras coisas de que não falo por não ter provas, dava para tudo.
Eu sei, porque estive lá e tinha a facilidade de ler as pessoas, podia apontar o dedo a todos.
Vi os que aderiram com todo o entusiasmo, e alguns dos mais velhos viveram a aventura de nunca mais na vida terem patrões.
Também os que com o tempo se desiludiram e trataram de fazer outras coisas, mudando de vida.
Assisti aos que entraram porque não tiveram escolha, tinham que comer, mas sempre viveram à espera da bota que lhes pisava o pescoço e na primeira oportunidade voltaram ao aconchego do amo.
Conheci outros, os que viram em toda a convulsão, uma boa oportunidade de retirar proveitos. Alguns conseguiram, outros, pouco mais levaram que a fama.
Uma pequena minoria nunca aderiu, por lealdades herdadas de favores antigos e também por ter medo de misturas.
Felizes, foram todos os que no lavar dos cestos eram vivos, para avaliar a paga recebida pelas suas opções.
Houve uma frase que ouvi a velhos curtidos pelo nosso sol inclemente, “de tudo, a melhor paga que tenho, é o descanso de me deitar todas as noites, com a certeza de ter, no outro dia, onde ganhar o pão”.
Eu, de tudo retirei duas certezas que não esqueço nunca.
A primeira: Os latifundiários alentejanos, roem quem os serve e cospem os ossos sem o mínimo respeito.
A segunda: Que a terra, a água e o ar, nunca deviam ser propriedade de ninguém.

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