sábado, junho 25

Frases Soltas

Cá estou mais uma vez, caro amigo. Os dias estão longos, as tardes quentes e eu tenho que cuidar para que a sesta não me roube o sono das noites. Então, saco do meu caderno e vou assentando palavras a esmo. Muitas, a maior parte, enrolo-as e jogo fora. Outras, ao serem arrancadas, trazem emoções que não quero públicas e guardo-as comigo, sobram estas, as que lhe envio.
O amigo sabe que não gosto de partir de ideias para escrever. Prefiro pegar nas palavras e brincar com elas, correr atrás, descobrir-lhes os caminhos, os sentidos, trocar-lhes as voltas e alinhavar ideias.
Gosto de analisar frases, tentar adivinhar-lhes outros rumos diferentes dos claramente vistos. Foi o que tentei fazer com esta;

“é um privilégio sem fim ser o teu sonho e ser realidade”

Não sei se a li ontem ou há um ano, se estava impressa ou se a ouvi. Não sei se sendo lida quem a escreveu, se ouvida quem a disse. Talvez até tenha sido imaginada. Que sei eu… Sou só um pastor, não tenho que saber de coisas próprias de gente grávida de certezas.
Percorro-lhe as letras, as sílabas. Espreito as palavras, leio-a muitas vezes e diz sempre o mesmo. Não há erro possível, não pode haver, diz o que lá está, não o que eu quero que diga.
Fecho os olhos com força e as letras rodopiam pela folha branca numa ciranda de cores. São todas diferentes e todas tão bonitas. Uma traz o cabelo enrolado, outra a cara pintada de bigodes, aquela outra é uma boneca de trapos, muitas rodopiam em loucas palhaçadas com o umbigo de fora. São tão engraçadas. E quando abro os olhos, assumem sempre a mesma posição, mostram sempre o mesmo texto. E eu sonho que foi escrito para mim.

Então eu sou um pobre pastor de sonhos, que sisma tocar uma estrela.

(Joaquim Carrapato)

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