quinta-feira, março 13

DIÁRIO D'UM SOBREVIVENTE



----- “ O AVÔ CHICO III “ -----

Quem viveu esses tempos, que eu muito dele sei de ouvir contar, lembra o culto da humildade, da miséria e da caridade repugnante, que era o pão nosso de cada dia, de um país subjugado ao ditador Salazar, o asqueroso Cardeal Cerejeira e os latifundiários alentejanos, que mantinham o povo inculto, para ser humilde e maleável.
Uma senhora, muito religiosa, (e nojenta), fazia alarde de caridade. Todos os sábados, (quatro vezes por mês), distribuía esmola pelas velhotas mais pobres, (essa santa hipócrita), mas não a dava em mão, provavelmente com medo de se sujar, atirava-a da janela. Mas não dava a todas, era só para quem pagasse a congra, que ela mesmo num sábado do mês recolhia. Havia quem passasse horas à espera que a senhora atirasse os 10 tostões, para depois na cobrança da congra lho devolverem com juros.
Nos anos cinquenta, talvez ao abrigo do Plano Marchal, (Portugal não esteve na guerra, mas estava nas últimas), chegavam da América roupas para os pobres e logicamente, era na igreja do maldito padre Aníbal que era distribuída.
O tio Chico Malarranha sempre sabia quando havia distribuição de roupa e saltava da cama bem cedo para se ir sentar na porta da igreja, quer fizesse sol ou chuva. Muitas vezes, nem havia distribuição, eram os rapazes da terra, (o Barbica, o Caldeirinha, o Manolo, o Manel David), com quem ele conversava, que o enganavam. Ele esperava horas e acabava sempre, quando a fome apertava, por voltar para casa.
Mas quer houvesse distribuição ou não, o tio Chico Malarranha voltava sempre para casa, triste e confuso. O padre, tinha uma lista onde só constava o nome dos pobres que eram casados pela Santa Madre Igreja do cabrão do Cerejeira. E o meu avô, quando ainda era um homem consciente, como republicano que era, só se casou pelo civil. Nunca entendeu porque o padre Aníbal, insistia que ele não era casado, mas amancebado.
Mas estava tudo certo, os americanos, como grandes católicos, só ajudavam o rebanho que aceitava o jugo de ditadores, padres malandros e senhorecas de merda.

1 comentário:

  1. Obrigada, por estas crónicas! fazem-me voltar à minha infância! os tempos tal como os descreves, eram realmente uns tristes tempos, mas sempre ficam recordações boas da nossa infância, lembro-me perfeitamente do teu avô. Mais uma vez obrigada pela partilha. beijo

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