terça-feira, março 11

DIÁRIO D’UM SOBREVIVENTE



----- “ AVÔ CHICO II “ -----

A doença não foi fulminante, foi-se manifestando aos poucos. Foi aos poucos que o Chico Malarranha deixou de ser quem era. Primeiro, começou com coisas simples, como ir trabalhar e esquecer o comer em casa, outro dia, a ferramenta de trabalho. Acerta altura, perdeu a perfeição no trabalho que sempre teve, descer de uma azinheira deixando-a mal limpa, passou a ser normal. Tão normal e inusitado, que os colegas de trabalho avisaram a minha avó.
Não havia nada a fazer, passado algum tempo o trabalhador de primeira, dos trabalhos mais bem pagos, passou a ajuda de outros, até deixarem de lhe dar trabalho.
Ainda esteve algum tempo internado num hospital psiquiátrico, mas a minha avó, a primeira vez que o conseguiu ir visitar, viu-o tão maltratado, que o trouxe para casa.
Aquela mulher, ficou sozinha, a cuidar e alimentar a mãe, dois filhos pequenos, (estava grávida quando ele adoeceu) e o marido. Ele, descalço e mal vestido, pedia esmola pelos montes, onde muitas vezes era maltratado por gente que enquanto teve saúde, não lhe chegavam aos calcanhares.
Lembro-me dele já velho, muito magro, roupa larga dada por outros, descalço e com um cordel a servir de cinto. Por vezes, apanhava uma folha de papel de jornal na rua, olhava-o fixamente e chorava. Muitas vezes a minha avó lhe lembrava que ele lia muito bem para tentar a ser se ainda era capaz. Ele dava sempre a mesma resposta:
- Já foi há muito tempo…
Depois de voltar do hospital, um homem jovem e forte, ia muitas vezes com a minha avó apanhar lenha ao campo. Fazia feixes de lenha muito grandes, que a minha avó só conseguia pôr à cabeça com a ajuda dele. E ele só o fazia sob condição.
Assim foram feitos o tio Chico e o tio Isaías. Devem o estar no mundo, a enormes feixes de lenha.

1 comentário:

  1. Formas de sobrevivência em tempos muito difícies...ou o modo como as Mulheres se sacrificam para poderem matar a fome aos seus, quando não há outros meios.
    A minha vénia às Mulheres e à sua enorme força!
    Maria Mamede

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