quinta-feira, março 6

DIÁRIO D’UM SOBREVIVENTE



 ----- “ OS DIAS III “ -----

Eu comecei a andar entre os quatro e cinco anos, até essa idade, o meu poiso era uma mantinha que a minha avó estendia na rua, ao lado da porta, ou junto ao portão do Arreda. Foi daí que comecei a ver o mundo e guardei imagens para reflecção futura. Daí até entrar para a escola, a minha vida decorreu por ali, na Rua das Cortes cheia de gente, no Quintal da Falida e nas Esquinas entre desempregados e velhos que contavam histórias de lobos enormes que os perseguiram, mentiras dos velhos para nos amedrontar.
A minha queda para contar histórias, foi bebida nesses tempos da minha avó eximia contadora e dos serões de verão a ouvir os velhos da rua que se sentavam nos poiais do Alexandrinho Terrão. Sempre preferi ficar de olhos escancarados a ouvir, às brincadeiras de cowboys e polícias e ladrões. Nesses tempos, não se perdia tempo a ver televisão, porque não havia e mesmo o rádio, era um bem muito raro. O tio António Paxaxa já tinha e por vezes ligava alto para dançar com a esposa, Maria Fateixa. Ela era muito mentirosa e o marido, um paz de alma. Por mais mentiras que dissesse, perguntava sempre:
- Não é verdade, Tonho?
Ele coitado só podia mesmo abanar a cabeça, que sim.
Nesse tempo, ver televisão, só no salão do Gualdino ou na Joaquina Manola, mas custava cinco tostões, uma fortuna. Era muito mais divertido ficar a ouvir as brigas do meu avô Chico Malarranha com a vizinha Teresa Preta. A velha preta era muito engraçada e falava muito mal, foi dela que eu ouvi os primeiros palavrões mais cabeludos.
- Chico, vamos trocar, tu ficas comigo e a tua Maria com o meu Danhel.
- Cale-se, porca, devassa, nem com um conto de réis de volta.
A história do meu avô Chico, merece ser contada, mas com tempo e com disponibilidade para revisitar as minhas memórias.

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