segunda-feira, maio 30

Memórias Precisas

Ele era um menino muito pobre, mais do que quase todos naquela época e andava descalço. Então para se libertar da pouca fartura da sua casa, ia com o amigo passar as férias para o monte.
E lá havia um grande palheiro quase vazio, com um pequeno cercado feito de fardos de palha a um canto, onde estavam os bezerrinhos acabados de nascer.
O pai do amigo pendurava duas cordas grossas numa viga alta a meio do palheiro e com uma acha lisa fazia-lhes um baloiço.
Na eira do monte, aos lados de uma máquina de descarolar milho havia três grandes montões; um de espigas de milho, outro de camisas e um outro de carolos.
Eles espreitavam em que parte do montão de camisas de milho o Tonho dos Carneiros fazia a cama e durante as noites escuras iam atirar-lhe carolos de milho, e ele ralhava muito;
- Ah cachopos dum raio.
Um dia o Tonho dos Carneiros apareceu com um saco às costas junto aos pereiros bravos onde brincavam e dirigiu-se ao menino pobre.
- Olha meu menino, diz á tua mãe que eu quero que ela te dê pra mim. Compro-te roupa nova, vais estudar, - e abrindo o saco - tenho até aqui pra ti as botas dum rapazinho que morreu á fome.
Ao menino agradou a ideia até ao ir estudar, mas quando ouviu falar do motivo da morte, desatou a correr para o monte, pegou na trouxa dele e voltou para casa da mãe. Só voltou uma semana depois e afastava-se para bem longe sempre que o dos Carneiros dava as caras.
O menino muito pobre sabia o que era passar fome e imaginava o quanto devia ter sofrido o rapazinho das botas. E se as botas lhe pegassem a maleita?

1 comentário:

  1. Que gostoso ler o que escreves...
    Mas é bem assim...
    Imaginação e medo de criança...
    Não tem explicação...
    A criança explica...
    Mas o adulto não entendi...
    A explicação da criança...
    Só serve para...o adulto rir na hora...
    E a criança rir, quando estiver adulta...
    Minha vovó Olga conta... que a primeira vez que ela viu um automóvel e uma pessoa negra lá na roça a só 80 anos atrás, ela ficou escondida em baixo de uma cama, morrendo de medo...dizia que "o bicho ia pegar ela...as duas mãos bem fechadas...os olhos bem arregalados...e ela tremia como vara verde..."
    Meus filhos já aprontaram cada uma comigo...que eu não sabia se ria ou se chorava no momento do acontecimento...
    Agora...eu lembro...conto para eles...
    e é... só gargalhadas de doer a barriga da gente...de tantas risadas que damos dos fatos...
    kkk...
    Mas ainda bem que o Tonho...contou o motivo da morte, do rapazinho dono das botas, para o menino.
    As botas serviram para ele ter medo...
    E voltar para junto de sua mãe...

    Que engraçado...
    As botas não serviu para calçar-lhe os pés...
    Serviu-lhe para abrir-lhe o entendimento...
    E fez com que o menino voltasse a tempo.

    Já pensou...se quem fabricou... este par de botas...
    Ficasse sabendo desta história...
    Um par de botas, calçou um rapaz até a sua morte e assombrou um menino para voltar para o seio de seu lar...

    Muito interessante...é de arrepiar...

    Beijocas...

    Da Lú :)

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