segunda-feira, junho 28

Professor Betâmio de Almeida – O homem, o pedagogo e o humanista

Editada pela Câmara Municipal de Benavente em colaboração com a Associação de Estudos e Publicações em Educação da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, tive acesso, por intermédio de pessoa amiga, aos textos inéditos, recentemente publicados, a título póstumo, do Professor Betâmio de Almeida.

Ribatejano de gema e muito orgulhoso das suas origens, o Professor Betâmio foi um daqueles professores, dos muitos que conheci durante a minha vida profissional no Ministério da Educação, que costumo designar por homens que se escrevem com H grande.

Artista, professor, pedagogo e investigador o Professor Betâmio de Almeida foi para mim sobretudo um humanista, cuja simplicidade no contacto com os seus semelhantes sensibilizou todos os que tiveram a oportunidade de com ele conviver.

Trabalhei com ele directamente apenas dois anos, num período ainda difícil da consolidação democrática, de 1977 a 1979, era ele então Presidente do Instituto de Tecnologia Educativa e eu Chefe da Secção de contabilidade do referido Instituto.

Durante o despacho que tinha semanalmente com ele, apercebi-me da grandeza do seu carácter da sua visão da vida e principalmente da previsão que fazia sobre a evolução futura da educação no nosso País.

Como democrata e como ribatejano gostava muito de falar sobre a sua terra e a sua gente. Foi ele que me explicou o significado para os ribatejanos da obra de Alves Redol,

“Barranco de cegos”.

Sobre a actual polémica da avaliação de professores, não posso deixar de recordar as palavras que ele, a propósito da sua nomeação para Director Geral do Ensino Secundário, escreveu ao seu amigo Raimundo de Matos, dois anos depois da morte deste;

” Antes de mais, meu caro Raimundo, já encontraste, por essas paragens de onde se não volta, o teu velho amigo Manuel Mendes?

Imagino-os a procurar livros sobre a revolução que se operou em Portugal. Mas o que me leva escrever-te é outro assunto; todavia, caso te lembres, diz ao Manuel Mendes que os seus saltimbancos da Caparica ainda não apareceram este ano. No ano passado ainda os vi, mais pobres, mais magros com reportório desgraçado e sem assistência. Uma dor de alma que nenhuma pincelada de artista já enaltece. Aqui vai a má nova. Parece que me querem nomear Director Geral. Tenho-me interrogado a ver se descubro por que motivo acedi a este convite, honroso por certo, mas capaz, neste momento, de atirar com um homem para as terras do demo.

Não fazes ideia como os professores estão divididos. Uns, os velhos, querem uma escola como tu ainda conheceste. Uma escola em que se ensinava e se aprendia. Outros, os novos, defendem a escola com um ensino feito pelos alunos, em que o professor é um projectista de situações objectivas.

Ás vezes, é tão mal encarada a raiva destes últimos, que quase dizem que os alunos ensinam e os professores aprendem. E é neste clima, que eu, caro Raimundo, sem poder ouvir os teus sábios conselhos, vou ocupar um alto cargo directivo.

Como podes calcular, sinto-me profundamente preocupado e triste. Vou deixar o nosso velho Liceu e os nossos caminhos.

Nós éramos republicanos e democratas e não o dizíamos sem algum receio. Agora nem imaginas, escreve-se tudo nas paredes. Sim, homem, nas pedras que levaram dias e dias a afeiçoar, pintalgam com uma tinta que não se tira, letras enormes de desenho estragado. Escrevem dísticos raivosos de uma agressividade gratuita. Querem salvar o Homem, o Povo, dizem. Mas o que me aflige é que se fala pouco em trabalho. Não trabalhar continua a ser a pedra nacional e nisto se identificam os nossos fascistas com os nossos revolucionários. Vão ambos em motoretas iguais, para os plenários, as RGA (tu não sabes o que é isto, mas fica a explicação para outro dia) para aprovar que não haja exames nem trabalho nas aulas.

Defendem passar um ano só porque se matricularam e dizem que é preciso lutar para o Povo. Tu sabes, tu que nasceste filho de cavador de enxada, como o Povo ganha com a ignorância dos que, mais dia, menos dia, se intitularão letrados ou técnicos.

Já vai longa esta carta. Prometo que no cargo de Director Geral tudo farei para não me envaidecer”.

Efectivamente, o Professor Betâmio de Almeida foi nomeado Director Geral do Ensino Secundário em 22-08-1974 e pediu a exoneração deste cargo em 17-01-1975, sendo considerado a maior autoridade na teoria e prática da Educação Estética e Visual para o Ensino Escolar em Portugal desde os anos 40 aos anos 80 do século passado.

É com saudade que recordo o seu talento e saber nestes tempos, novamente, conturbados para a Educação em Portugal.

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(João Aurélio Raposo)

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(Texto enviado ao Mensageiro de Alter e que não foi publicado, provavelmente pela alusão feita à divisão dos professores por um antigo Director Geral do Ensino Secundário)

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