sábado, junho 19

Novas Oportunidades

A Minha Infância (1)

Nasci numa tarde quente dos fins de junho. O meu irmão anunciou-me ao meu pai nestes termos: “Pai, já lá temos um ganhão”. A minha avó, parteira, esperou toda a tarde e toda a noite, que eu “atasse as botas”, mas pelos vistos não lhe fiz a vontade. Nos primeiros meses de vida, os médicos deram o veredicto, uma esperança de vida de 17, 18 anos. Tenho 50 e continuo por cá, tal foi sempre a minha teimosia.

(…)

Num tempo em que ainda havia as “praças de jorna”, muita gente passava grande parte do ano sem trabalho, nunca me lembro do meu pais estar desempregado. Talvez por isso, não tenho memória de grandes faltas em minha casa. Sempre hove o pão, o azeite, os ovos, o leite e os produtos hortículas sasonais. No meu tempo, muitos dos meus amigos andavam descalsos. E quando eram vários irmãos de idades apróximadas, com a roupa de um, vestiam-se dois. Um da cintura para cima, outro da cintura para baixo.

Não sou muito de lembrar rostos, pessoas, mas tenho bem presentes imagens de lugares. Nem do meu irmão único, (que presumo deve ser a pessoa mais próxima naquelas idades, o irmão mais velho), que tem mais oito anos que eu, me lembro dessa época. Talvez porque as pessoas vão mudando e nós vamos fixando sempre a última aparência.

Dos lugares lembro-me perfeitamente. Eu nasci na rua de S. Pedro, (Liberdade). Para se chegar á casa entrava-se por um túnel, (que certamente não atravesso há trinta e muitos anos), ainda lá está hoje, e lembro-me perfeitamente da casa com porta e janela azul. A minha defenição para Casa de Bonecas, é essa imagem. Há uma imagem que recordo como a sensação mais antiga e que já adulto confirmei. Ao fundo do quintal, um “caniço” e um cãozinho preto constantemente a ladrar. Não posso dizer; “vi claramente visto”, é só uma memória, a mais antiga que tenho.

(…)

(continua)

2 comentários:

  1. Este texto mostra um dos motivos que muito me honrar a amizade que fazes o favor de me dedicar. Sou, desde a primeira hora tua admiradora incondicional, o texto e as circunstâncias de vida fazem-me lembrar uns versos do nosso querido António Aleixo que dizem assim:
    Inteligências há poucas.
    Quase sempre as violências
    Nascem das cabeças ocas,
    Por medo às inteligências.
    Maria VCO

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  2. E como nós conhecemos tantas cabeças ocas que têm medo de que pensa, Maria.
    Mas que se lixem. Vão marrar com um comboio.

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