domingo, dezembro 30

Crónicas do Planalto V



Carta ao Pai Natal

Amigo Pai Natal, a coisa aqui em casa tá preta, ao ponto de eu não pôr o remetente na carta para não pagar os selos, entende-te com os CTT.
Nada me tira da cabeça que esta negritude começou quando a minha irmã iniciou o namoro com o Rui Branco, um crioulo do Bairro da Musgueira de um metro e noventa, e uma carapinha loura no alto da tóla.
Nunca confiei nele, um preto de carapinha loura é confiável? E ainda por cima se chama Branco, só pode ser para enganar o pagode. A minha irmã diz que eu sou um porco racista, mas eu não me importo. Quando desconfio que ele vem cá a casa, escondo sempre os meus melhores brinquedos, que o que esquece ao diabo, lembra sempre aos rapazes de cor da Musgueira. Ontem ouvi a minha mãe a dizer baixinho ao meu pai que a Gracinha, minha irmã, tinha três dias de atraso e o meu pai ficou furioso e disse, “esse pulha vai pagá-las”, só pode ter a ver com o Rui, alguma coisa que pediu á minha irmã e não lhe devolveu. A mim não me engana ele, não lhe empresto nem os brinquedos velhos, que ele, pelos meus livros do Tim-Tim nunca se interessou. É alésbico a livros, não é assim que se diz?
O meu pai está desempregado, passa os dias de pijama, jornal na mão e um humor de cão. Quando aparecem políticos na televisão, diz muitos nomes feios, pobres das senhoras mães do Cavaco e do Coelho. Já nem se preocupa de eu ouvir tanta ordinarice. Também detesta aquela senhora estrangeira muito feia, a Dra. Troika, até lhe chega a chamar prostituta, mas por claro.
Eu de política não percebo nada, só gosto daquele senhor que tirou o curso em quinze dias por dançar num rancho. Como já estou no segundo ano da escola e tenho que me despachar, inscrevi-me nas Danças de Salão aqui no bairro e estou a aprender. Sou já bom na Lambada, deve chegar para tirar um curso de educação física.
A minha mãe e os meus avós este ano perderam o subsídio de natal, não devo receber presentes. Se tiveres alguma coisinha de sobra, agradeço.
Mas arranja algum juízo aos nossos políticos, a ver se o meu pai fica um pouco mais bem-disposto.

(jag 12/12/24)


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