quarta-feira, setembro 29

O Meu "Desassossego"

Fragmento 1

(O Livro do Desassossego)

"O coração, se pudesse pensar, pararia."

"Considero a vida uma estalagem onde tenho que me demorar até que chegue a diligência do abismo. Não sei onde me levará, porque não sei nada. Poderia considerar esta estalagem uma prisão, porque estou compelido a aguardar nela; poderia considerá-la um lugar de sociáveis, porque aqui me encontro com outros. Não sou, porém, nem impaciente nem comum. Deixo ao que são os que se fecham no quarto, deitados moles na cama onde esperam sem sono; deixo ao que fazem os que conversam nas salas, de onde as músicas e as vozes chegam cómodas até mim. Sento-me à porta e embebo meus olhos e ouvidos nas cores e nos sons da paisagem, e canto lento, para mim só, vagos cantos que componho enquanto espero.

Para todos nós descerá a noite e chegará a diligência. Gozo a brisa que me dão e a alma que me deram para gozá-la, e não interrogo mais nem procuro. Se o que deixar escrito no livro dos viajantes puder, relido um dia por outros, entretê-los também na passagem, será bem. Se não o lerem, nem se entretiverem, será bem também."

Bernardo Soares (Fernando Pessoa)

Este foi durante muito tempo para mim o Pessoa mais hermético. Agora, talvez devido ás vicissitudes da vida, releio-o e acho-o claro. Revejo-me em cada palavra, em cada respirar do texto. Encontro-me nas situações, nos pensamentos, porque vivo tudo o que heterónimo sonhou. Eu sou um pouco da sua inquietação e desassossego-me com ele. Vou esperar a minha vez, apesar das inquietações, dos desamores, do medo de quem não me entende. Porque para me entender não basta passar pela vida, é necessário entendê-la. A minha cabeça é quem me guia, eu amo o que penso, porque o meu coração bate ao ritmo do mundo que eu invento.

Perdoem-me por ousar escrever e pensar alto.

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