sexta-feira, março 1

AMEAÇA



Chegaram as férias grandes.
Era altura de ir fazer novas descobertas, pelo mundo das ideias partir!
Reencontrar os amigos do ano anterior, ver se tinham crescido, ver se estavam mais gordos, ver as paisagens de sempre com a vista mais velha.
Nesse ano, as férias, iam ser diferentes, tinha sido convidada para ir mais cedo para a aldeia. A minha tia tinha-me convidado. Devia ter uns 5, 6 anos. Estava eufórica! Ia “cabritar” mais cedo! Pois, ir para a aldeia é, nada mais, nada menos, do que subir e descer montanhas, por os pés nos rios, seguir o curso dos rios, assustar-me com o ladrar dos cães e, sentir-me só: única habitante do planeta, e ser feliz até à hora do tradicional…
- Vem comer!
Não era preciso gritar, o eco faz o resto, propaga-se à velocidade da luz! Onde quer que eu estivesse ouvia sempre! E, não me mexia, ficava à espera, de uma segunda e terceira chamada. Comer? Que perda de tempo, e, tanta canseira, perder a exploração da floresta selvagem de um rio qualquer, mesmo à beira de uma estrada...
Não me recordo de ter ido, nem como fui.
Nessas férias aprendi as asneiras todas, a dizê-las, interpretá-las nem hoje sei, uso um adulto para me explicar!
Mas estas férias tinham um propósito que não podia deixar em branco, conversar com o senhor meu avô sobre os seus comportamentos, que eu considerava impróprios para um cavalheiro, mesmo que selvagem de aldeia, não eram comportamentos próprios de um senhor, de um homem para a sua esposa.
Durante o ano recebíamos a correspondência e, sempre, em todas as cartas, a minha avó se queixava do mesmo, de como o meu avô lhe batia, porque bebia.
Ora, isso não!
Ia aproveitar para lhe dizer que à mulher não se bate!
Mas durante toda a minha estadia, nao me lembro se o vi! Só no dia do meu regresso. Foram todos ao largo dizer-me adeus. Ia voltar no carro do Sr. Nascimento, levar-me-ia a casa.
Esta viagem foi a pior da minha vida, só me lembro de ver passar os paus dos fios de eletricidade que habitavam a beira da estrada, que indisposição sem fim!
No largo, com a família, beijinhos e abraços, votos de boa viagem!
Chegou a vez do meu avô!
- Quase não tive tempo para estar contigo, mas mais uns dias e estás de volta, com os teus pais, estaremos nessa altura os dois!
Disse-me o meu avô com carinho.
Lembrei-me! Pois, eu não lhe falei o que tinha para dizer, a oportunidade!
Não me podia ir embora sem dizer-lhe o que tinha para dizer.
- Olha! - disse no meu ar rebitesgo.
- Eu vou para Lisboa! Mas se eu recebo lá mais uma carta da avó a dizer que tu bebes, e, depois chegas a casa e lhe bates! - já com o dedo esticado.
- Eu venho de lá! Chego cá e parto-te os cornos!
Tão simples, rápido e prático foi o meu dizer. Não se proferiram mais palavras, só acenos!
Nem uma dezena de anos chegou, para na cama do hospital, o meu avô me dizer:
- Perdoas-me?
- Do quê? - muito espantada com a questão!
- Eu não bati mais na avó, apesar de ela merecer! Perdoas-me? Lembras-te quando lá foste naquele verão, o que me disseste?
Rimos os dois, pois, já sabia, então, a senhora diabólica que era aquela criatura.
Recordar este pedaço de história é uma homenagem aquele que viveu simples e puro, sem maldade, e amou-me como eu o amei!
Para sempre O avô!

(Matilde Rosa)


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