*BUSCA INTERIOR
Há
dias em que me apetece desabafar para uma folha de papel, hoje é um deles.
Procuro-me, primeiro à minha volta, depois nos outros mas só me encontro mesmo
quando a busca é interior.
Primeiro
custava-me, sentia pudor, um género de vergonha de mim, dos meus pensamentos e
sentires.
Depois
fui-me tornando mais afoito nos meus próprios caminhos, ganhei prática de me
devassar e me entender.
Hoje,
facilmente entro na minha cabeça e me esquadrinho, perdi o receio do que vivi,
talvez por ser passado e nunca o ter esquecido.
Sei
que “existo logo penso”, Descartes estava enganado, o pensamento deriva do
facto de se existir, não o contrário.
Entro
no labirinto da minha cabeça, percorro corredores cheios de portas, só abrindo,
sei o que lá está.
Abro
esta e vejo o quadro.
“Largo
da Casa do Povo, cheio de lama e poças de água, o amigo Lai e o meu triciclo,
de quadro de madeira e almofada de flores. Bons tempos, eu era inocente e
feliz. Afinal, pelos anos de 62, eu era dos poucos miúdos da terra,
proprietário de um veículo. E que bonito que ele era”
Passo
à frente, abro outra.
“Vejo
o meu avô Chico Malarranha sentado no portão do Arreda, como sempre. Braços e
pernas longas e descarnadas, barba grande num rosto magro e o eterno cordel a
fazer de cinto. Um quadro que me reconforta, memória duma vida difícil que um
dia vou contar, se tiver tempo e estofo para desfiar emoções. É uma vida
demasiado triste, para ser contada, de ânimo leve”
Esta
é mais complicada ainda.
“Está
escuro, não acendo a luz porque sei o que vou ver. Sou eu, rodeado de noite e
solidão. Outro quadro a ser contado; talvez um dia me aventure a entrar nas
minhas catacumbas”.
Agora
é tempo de sair, voltar ao meu possível hoje. Quem sabe um dia eu me sinta com
capacidade para entrar em cada porta, sentar-me á beira das memórias e dar-lhes
vida, contando-as detalhadamente…
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