Que
saudades dos tempos em que a minha avó cozinhava feijão no fogão! Aquele cheiro
de feijão catarino, ou manteiga quentinho! A estalar na mão! Assopro a mão,
como se estivesse a sentir, ainda, na mão, o quente feijão.
Rebusquei
na memória, o dia em que quis ter um bebé!
Tão
simples como comer feijão!
A
minha mãe trabalhava num consultório, onde havia oito especialidades clínicas
diferentes, entre elas, ginecologia.
Um
dia perguntei a uma senhora que tinha a barriga muito grande:
-
O que é que a Sra. tem?
-
Comi muito feijão!
Porque
é que os adultos sempre acham que as crianças não pensam? Não sei!
Sei
que vi, uns tempos depois, a senhora de barriga vazia, e com um bebé ao colo.
Assimilei! Comeu feijões…
Eu
também quero ter um bebé. Acabavam-se as desilusões de ter as bonecas que falam
e andam, como na televisão e, quando vêm para mim, não!
Sábado
à noite, dia da semana sempre romântico, ia dormir a casa da avó. Vou ter um
bebé!
-
Avó?
-
Sim, Nininha!
-
Fazes feijão amanhã de manhã?
-
Não estava a pensar nisso, mas queres? A avó faz!
Pulava
de alegria! Ia ter um bebé! Vou comer feijão! Tanta excitação que quase não
dormi!
Quando
acordei, senti no primeiro andar, o cheiro de feijão cozido, acabadinho de
fazer na cozinha! Pulei da cama, voei escadas abaixo, com ar maroto de quem não
conta o segredo, preparei-me para a minha primeira "injeção" de comer
feijões de enfiada!
-
Está quieta! Estão quentes! Deixa arrefecer!
Mas
eu queria tanto um bebé, que pensei que quanto mais cedo e rápido os comesse mais
cedo teria o meu presente! Tive que disfarçar, fui-me lavar e vestir, tomar o
pequeno-almoço, tudo muito devagar.
-
Despacha-te! Que eu vou ao pão e, deixo-te em casa!
Isso
é o que ela queria! Eu queria-a dali para fora, para lhe ir ao feijão! Lentamente
continuei…
-
Pronto! Vou-me embora! Quando saíres fecha a porta!
Felicidade!
Quantas letras têm? Não sei! Mas naquele momento, senti cada letra percorrer-me
toda! Estava feliz!
Comi
todos até rebentar, ficar maldisposta, e gaseada. Era por uma boa causa!
Afinal, eu ia ter um bebé. E tudo o que é bom, merece um sacrifício pequeno.
Bem grande! Mas estava toda contente!
Final
da semana, outro sábado e a barriga nada! Volto a pensar na minha tarefa!
-
Avó? Vais cozer feijão?
-
Não! Vou fazer batata frita para o almoço!
-
Faz feijão!
-
Não! Ainda me vais explicar o que foi que fizeste ao feijão a semana passada!
Bolas!
Pirei-me! Fugi, estava cheia de sono, não estava com tempo para conversas,
antes dormir que lhe contar!
Fui-me
deitar, a pensar que se calhar já não ia ter o bebé, não perguntei quantos
feijões tinha de comer! A primeira desilusão.
Mas
nesse fim-de-semana, a minha mãe fez feijão! Não comi foi tanto, porque ela não
me deixou. Era para a sopa. Esta gente adulta é assim, tem sempre uma razão
para tudo.
E,
a barriga nada de crescer, nem um bocadinho. Mostrava e perguntava a toda a
gente se achava que eu tinha uma barriga grande. Todos se riam, eu nunca fui
cheinha, era sempre a cobaia dos laboratórios quando tinham no mercado um novo
produto para engordar.
Eu
insistia no feijão. Insisti e insisti. Até que voltei a ver a senhora do
feijão. Fui-me a ela, toda zangada, e perguntei-lhe de onde tinha ela recebido
o bebé?
-
Veio de avião!
Bolas!
Andei eu a comer feijão…
(Matilde
Rosa)