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“ AVÔ CHICO II “ -----
A doença não foi fulminante, foi-se
manifestando aos poucos. Foi aos poucos que o Chico Malarranha deixou de ser
quem era. Primeiro, começou com coisas simples, como ir trabalhar e esquecer o
comer em casa, outro dia, a ferramenta de trabalho. Acerta altura, perdeu a
perfeição no trabalho que sempre teve, descer de uma azinheira deixando-a mal
limpa, passou a ser normal. Tão normal e inusitado, que os colegas de trabalho
avisaram a minha avó.
Não havia nada a fazer, passado algum tempo
o trabalhador de primeira, dos trabalhos mais bem pagos, passou a ajuda de
outros, até deixarem de lhe dar trabalho.
Ainda esteve algum tempo internado num
hospital psiquiátrico, mas a minha avó, a primeira vez que o conseguiu ir
visitar, viu-o tão maltratado, que o trouxe para casa.
Aquela mulher, ficou sozinha, a cuidar e
alimentar a mãe, dois filhos pequenos, (estava grávida quando ele adoeceu) e o
marido. Ele, descalço e mal vestido, pedia esmola pelos montes, onde muitas
vezes era maltratado por gente que enquanto teve saúde, não lhe chegavam aos
calcanhares.
Lembro-me dele já velho, muito magro,
roupa larga dada por outros, descalço e com um cordel a servir de cinto. Por
vezes, apanhava uma folha de papel de jornal na rua, olhava-o fixamente e chorava.
Muitas vezes a minha avó lhe lembrava que ele lia muito bem para tentar a ser
se ainda era capaz. Ele dava sempre a mesma resposta:
- Já foi há muito tempo…
Depois de voltar do hospital, um homem
jovem e forte, ia muitas vezes com a minha avó apanhar lenha ao campo. Fazia
feixes de lenha muito grandes, que a minha avó só conseguia pôr à cabeça com a
ajuda dele. E ele só o fazia sob condição.
Assim foram feitos o tio Chico e o tio
Isaías. Devem o estar no mundo, a enormes feixes de lenha.
Formas de sobrevivência em tempos muito difícies...ou o modo como as Mulheres se sacrificam para poderem matar a fome aos seus, quando não há outros meios.
ResponderEliminarA minha vénia às Mulheres e à sua enorme força!
Maria Mamede