segunda-feira, março 31
domingo, março 30
Joaquim António Godinho - Escritor
O
RAPAZ QUE ERA AZUL
Era uma vez, há muitos, muitos anos, um
rapaz azul claro.
Naquele reino tão distante, havia rapazes
de todas as cores, pretos, brancos, amarelos, vermelhos, mas os que por acaso
nasciam azuis, não eram aceites, nem pelos outros rapazes, nem pelos adultos.
Eram apontados a dedo, tratados como se ser azul, fosse crime.
Talvez por ter nascido de um azul muito
claro, o rapaz nos primeiros anos de vida, não se sentia muito mal. Levava as
tímidas alusões à sua cor, com uma perna às costas. Afinal nessas idades,
infância e pré-adolescência, a cor da pele ainda não é determinante, não
descrimina.
Com o passar do tempo, ou porque se foi
tornando cada dia mais azul, ou porque estava com o crescimento a tomar mais
consciência de si, foi percebendo que ia ter uma vida difícil num reino que não
sabia conviver com o azul.
Depois de muito deduzir, percebeu que o
culpado da sua desdita era o sol. Era a luz do sol incidente na sua pele que o
denunciava ao refletir aquela variante mal aceite do arco-íris.
Resolveu
então procurar um quarto escuro e isolar-se, apartar-se da luz que o
denunciava. ‘Passou anos e anos sozinho, a tentar entender-se, procurar
exorcizar os seus fantasmas. Leu muito, tentou entender as pessoas e
principalmente perceber o porquê da sua vida, entender-se.
Foi
um tempo triste, aquele, mas também tempo de se refazer, de abarcar a
problemática das cores, os porquês.
Um
dia, depois de muito tempo de isolamento, começou a desconfiar que o problema
não estava na luz, muito menos na pele que a refletia. Percebeu que o mundo era
mesmo a cores, nenhuma melhor que as outras, só diferentes.
Que
o erro estava nos outros e na maneira de olhar.
sexta-feira, março 28
Joaquim António Godinho - Escritor
DOIS SÓIS
Ele,
era um homem com uma timidez disfarçada e um passado de vida muito complicado.
Ela,
uma bela morena de sorriso fácil e cabelo enrolado, num corpo perfeito de
bailarina e uns atraentes olhos saltitantes.
Encontraram-se
numa tarde escura, oprimida por um céu de nuvens baixas e plúmbeas.
Ele,
filho e amante do Sol, percebeu nessa tarde que já não o necessitava. Havia
dois, nos olhos dela!
Continuaram
a ver-se nesses dias, num jogo de toca e foge de olhares. Uma linha invisível
prendia-os, por mais que lutassem contra o poderoso magnetismo que aumentava.
Conheceram-se,
deslumbrados com aquela paixão e desnorte mútuo. Foram tempos de conversas
viciantes, confissões, poesia e cartas de amor.
Amaram-se
uma única vez e não foi bom. Ele, por insegurança e a consciência de que não tinha
direito de tocar o céu. Ela, talvez por o sentir fraco. Quem sabe?.
Para
ele tudo “aquilo” era nada, para tanto amor.
Ela
um dia partiu, ele ficou a colar os cacos, a refazer-se, como sempre tinha
acontecido.
Depois,
construiu um ninho quente para aquele sentimento. E deixou-o a hibernar num
canto soalheiro do coração, com janela para o improvável…
quinta-feira, março 27
Joaquim António Godinho - Escritor
In ARRUMADOR DE PALAVRAS «O
Livro»
Em tempos escrevi muito sobre política, até perceber
que só as moscas mudam e me desiludir. Estou cansado de dizer que não gosto,
mas como cidadão atento, não resisto em meter foice em seara alheia.
Políticas
Hoje
trago uma pequena refleção sobre a atualidade política, coisa a que há muito
perdi o gosto.
O
Parecer do Tribunal Constitucional sobre o roubo feito aos funcionários
públicos e pensionistas é um tratado de hipocrisia. Descobriram uma
Inconstitucionalidade de facto, mas sem repor a legalidade e ainda aproveitam
para apontar caminhos; mostrar ao governo como deve fazer na próxima vez.
Não
entendo para que servem estas instituições de “faz de conta”. Salvo raras
exceções, são “paus mandados” de quem os nomeia, obedecem à “voz dos donos”. É
urgente entregar estas decisões ao Supremo Tribunal, em princípio não
dependente do Poder Político.
No
seguimento, Passos Coelho desafia a oposição a mostrar onde ir sacar os 800
milhões. Eu, que sempre fui oposição a todos os governos portugueses,
aponto-lhe um caminho.
1º
- Cortar imediatamente todas as Subvenções Vitalícias a Políticos que tenham
menos de 65 anos.
2º
- Dar opção aos maiores de 65 anos da escolher entre a Subvenção Vitalícia ou
outros rendimentos.
3º
- Proibir a acumulação de proventos aos gestores públicos e a optar entre o
sector público e o privado.
4º
- Que a Segurança Social só pague uma reforma por pensionista.
E
por favor, não me venham falar em Direitos Adquiridos.
quarta-feira, março 26
Joaqum António Godinho - Escritor
DESTINO
“Estava escrito há
muito! Foi só procurar, até te encontrar”
O
destino? Há quem lhe chame isso, não que eu acredite muito. O nosso destino é
determinado a cada momento pelas circunstâncias. È verdade que não se pode
lutar contra o destino, porque se nós lutamos e mudamos alguma trajetória, pode
sempre dizer-se era o destino.
Nós
temos sempre um ponto de partida, o nascimento, que também é fruto do destino,
foi ele que uniu os nossos pais, os nossos avós, que determinou o lugar onde
nascemos, tudo, em suma.
Eu
por vezes penso que o meu destino era outro, nascer noutro lugar. Mas ou porque
a cegonha que me trouxe era pitosga, ou porque como na altura não havia código
postal, extraviei-me.
Se
nesses anos longínquos os alentejanos já tivessem descoberto o seu avançado
método anticoncecional, atirar pedras às cegonhas, eu teria nascido noutro
lugar e não lobrigo de todo, qual seria o meu destino.
O
nosso destino, esse sim, a que não podemos fugir nem controlar, a maneira como
e onde acontece, é a morte. O destino inevitável.
terça-feira, março 25
Joaquim António Godinho - Escritor
In ARRUMADOR DE PALAVRAS «O
Livro»
É verdade, não gosto do inverno, dia sem sol é dia
triste. Eu sou um homem do sul e do sol, não funciono bem nos dias tristes.
Inverno
Chega o
Inverno e com ele a melancolia
Dias
curtos, noites longas de abandono
Tristes
frios, bem violentos, pós Outono
As
noites de vento uivante, claustrofobia
Não sei
mais da minha costumeira alegria
Tudo é
escuro, medonho, no meu entorno
Só
d’algumas velhas memórias, me socorro
Mas
nada me motiva, sem sol para o meu dia
Nunca
gostei deste tempo de nuvens escuras
Daquelas
manhãs frias onde a geada impera
E que
de tanto rigor nos fazem as vidas duras
A
qualquer hora do dia uma chuvada espera
Estou
já cansado de passar por tais agruras
Quero
que venha bem depressa a Primavera
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